
Fulano compôs uma canção. Não uma canção qualquer, mas dessas que pretendem condensar o mundo num só grito. Conseguiu o inatingível e se orgulhou muito de sua obra-prima, até que a realidade e os fatos berraram num tom acima: problemas orçamentários! Até então, não se havia dado conta de que o verbo consome muita verba, e que cada arranjo, cada nota, cada acorde eram completamente discordes com sua conta bancária; isso sem falar na rima! Aquela rima tão bem polida, não teve mais remédio que cortá-la. Por economia, se viu obrigado a espremer introdução, refrães e estrofes inteiras, reduzindo-os a um pequeno trecho, que se repetia à exaustão: ‘Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo’. E viu que, apesar de tudo, ainda era bom. As notas ecoavam saudosas de seu colorido, mas tinha conseguido manter um branco-e-preto vívido que ressoava ao longe, a perder-se e misturar-se com outras ondas.
Do outro lado da rua, essas notas alcançavam o Cidadão Comum sentado em sua varanda, meditando como cada dia. E, como cada dia, se sentia compreendido, porque a melodia lhe apaziguava o ânimo com força de resposta, que em realidade era mais que uma simples resposta, era a Resposta por excelência, destas que antecedem à pergunta mesma. Porém, essa certeza que lhe chegava tão forte com a primeira luz da manhã, se desvanecia com o passar das horas. Ao entardecer, outra vez a sensação de que vivia o dia, e não o sol, a noite, e não a lua. De madrugada, como de costume, a pergunta voltava a sua condição inevitável: que acontece quando nada acontece?
